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Experiências do Laicato numa perspectiva sinodal no Brasil

Podcast Outro Papo de Igreja, do Serviço Teológico Pastoral

Por Sônia Gomes de Oliveira, presidenta do CNLB, para o Serviço Teológico Pastoral

“Vocês são o sal para a humanidade. Vocês são a luz para o mundo”. O texto do Evangelho de Mateus 5,13-16 revela para os cristãos leigos e leigas o que o Senhor espera de cada um de nós. Jesus falava de forma simples, mas com uma profundidade que aponta caminhos claros para seus seguidores. Esta é a base do que quero trazer das experiências do laicato numa perspectiva sinodal no Brasil.

Os cristãos leigos e leigas sempre tiveram experiências significativas na Igreja e na sociedade. Muitas mulheres e homens, mesmo sem saber definições eclesiológicas de vocação, corresponsabilidade na missão, sujeitos eclesiais e sinodais, já exerciam o pertencimento e encarnavam o Evangelho na vida por meio da religiosidade popular, das práticas de piedade e de ações coletivas no cotidiano.

Demorou muito para que a consciência de ser sujeitos eclesiais chegasse às bases, mas, mesmo assim, as comunidades se reuniam ao redor da Palavra, discutiam coletivamente o que precisavam fazer naquele momento e decidiam quais benefícios poderiam vir para o bairro, ajudas às famílias necessitadas, conselhos de escolas, conselhos de saúde, até em construções de igrejas, ampliações de salões e outras demandas. Criavam uma rede de atuação laical por meio de associação de moradores, lutas coletivas, pastorais e movimentos.

Muitas dessas reuniões aconteciam nos salões das igrejas. Eram comunidades que caminhavam juntas, sempre com a leitura da Bíblia e da vida, abertas ao sopro do Espírito de Deus. Sem usar a palavra sinodalidade, já viviam a experiência da Igreja sinodal, onde não havia uma única voz: todos eram ouvidos e a decisão era coletiva, caminhavam juntos, faziam o discernimento em comunidade. Não ficavam presos a estruturas burocráticas ou a decisões tomadas por uma única pessoa.

Com o advento do Concílio Vaticano II, estas palavras chegaram aos ouvidos das pessoas, de uma forma que ensina a prática do Evangelho na vida cotidiana, o amor à causa da vida, ao projeto de Jesus, o testemunho do compromisso batismal. Esta semente germina principalmente nas bases da sociedade, e muitas lideranças tomam consciência desta forma de ser Igreja, concretizada na comunhão, no caminhar juntos, nas reuniões e assembleias, na participação ativa na missão evangelizadora, na profecia e defesa da vida dos mais pobres.

Mesmo diante de estruturas eclesiais que, nos últimos anos, se fecharam dentro delas mesmas, assumindo um estilo mais burocrático e distante da Igreja Povo de Deus que o Concílio Vaticano II nos aponta, muitos cristãos leigos e leigas mantiveram viva esta Igreja sinodal missionária, este jeito de ser comunidade e acender a chama da mística e da profecia. Claro que nem todas as comunidades são assim, mas, em muitos lugares da Igreja do Brasil, temos a característica de um laicato presente, animando a vida nas comunidades e paróquias, testemunhando a missão, a participação, a comunhão.

Jesus ensinava aos seus seguidores a missão de dar sabor e iluminar: Vós sois o sal da terra… Vós sois a luz do mundo. Ele diz isso a cada um pessoalmente: aqueles que querem ser seus discípulos assumem este compromisso. O sal dá sabor aos alimentos, torna-os agradáveis, preserva sua integridade, evita que se estraguem. O sal e a luz simbolizam o chamado de Deus, e esta sabedoria divina os cristãos leigos e leigas compreendiam, nas pequenas comunidades, a partir da religiosidade popular e da leitura da Bíblia.

Hoje, quando falamos em Igreja sinodal ou laicato em perspectiva sinodal, vemos muitos cristãos leigos e leigas cuja espiritualidade alimenta e projeta a profecia. É um laicato que, em várias situações, fazem o discernimento eclesial, especialmente no processo de tomada de decisão, e até se afastam de alguns espaços para o bom andamento da comunidade ou para que o processo de discernimento aconteça. Este é o profetismo que vemos em muitas paróquias onde os cristãos leigos e leigas assumem os conselhos econômicos e conselhos de pastoral e são referências de zelo e colegialidade; garantem a cultura da transparência, responsabilidade e avaliação, dando sinais de maturidade na fé e, mais ainda, exemplos de sinodalidade.

O Papa Francisco tem afirmado que a sinodalidade é caminho para a Igreja. Percebemos isto nas ações dos cristãos leigos e leigas que assumem formas partilhadas de colocar seus dons a serviço em vista da missão, que assumem a coordenação das comunidades, mulheres e homens que se doam nos conselhos, nos diversos ministérios e serviços. Estão na comunidade eclesial e também na família, na sociedade, em ambientes de trabalho, no mundo da política, em mandatos coletivos e compartilhados. Atuam em diferentes espaços de participação, como órgãos públicos, conselhos de garantia de direitos e controle social, lugares de fronteira, onde a vida está ameaçada. Vivem sua vocação e missão nas escolas, universidades, faculdades, no mundo da cultura.

São muitos os exemplos de cristãos leigos e leigas que, a partir do discernimento, criam redes de relações, testemunham o compromisso com a missão e aprofundam esta forma da Igreja sinodal. Nos diversos organismos e pastorais, garantem atitude de escuta, de partilha e de fraternidade; vão aos lugares de fronteira, fazem a escuta dos que sofrem exclusão e marginalização, mantêm acesa a luz da Igreja em sua missão de curar as feridas. Sendo sinais e instrumentos de íntima relação com Deus, ajudam a sociedade a olhar para o bem comum. Com as experiências de acolhida e partilha, dão o sabor da alegria do Evangelho e transformam significativamente as realidades sociais.

Outro lugar de atuação do laicato em perspectiva sinodal são os processos formativos. Mais que trabalhar conteúdos, têm o propósito de formar um povo de discípulos missionários, com consciência de pertencimento e de seu papel na igreja e na sociedade. Quando mencionei o trecho do Evangelho sobre ser sal da terra e luz no mundo, foi justamente para destacar quanto sabor este sal tem dado às nossas comunidades paroquiais e diocesanas, quanta luz este laicato tem acendido na sociedade, quantos homens e mulheres encarnam a Boa Notícia de Jesus nos lugares onde estão.

Por fim, muitos cristãos leigos e leigas animam e coordenam as comunidades eclesiais, mantendo as celebrações da Palavra, distribuição da Eucaristia, catequese, vivência comunitária como visita aos enfermos e idosos, apoio a famílias que necessitam, serviços e ministérios, escuta e presença. Em muitas destas situações, são testemunho vivo de desapego e doação, pois cumprem a tripla jornada: trabalho, família e a missão na Igreja.

Estes são verdadeiros discípulos missionários: são sal da terra e luz no mundo, porque, mesmo com pouca formação teológica e pastoral, estão ali sendo sinal e dando sabor a muitas vidas. São testemunhas e luzes na vida de muita gente, são sinais da Igreja de Jesus em vários ambientes, não deixam a confiança do povo se decepcionar. São, em sua grande maioria, mulheres que enfrentam obstáculos para ter reconhecidos os seus dons e carismas, mas dinamizam a vida da igreja e santificam muitos ambientes com sua presença iluminadora.

O Instrumentum laboris do Sínodo nos diz que a sinodalidade não implica, de modo algum, a desvalorização da autoridade e da missão específica confiada aos pastores, bispos e presbíteros. Destacar as experiências sinodais do laicato é um convite a uma verdadeira conversão e reforma das estruturas, para que todo o Povo de Deus se coloque no caminho de sinodalidade da Igreja.

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